Em 1974, um banco de sangue americano criou, no oeste africano, um grande laboratório a céu aberto para fazer experimentos com diversos tipos de vírus em chimpanzés silvestres.
Os animais foram infectados com doenças como a hepatite, para o desenvolvimento de vacinas e tratamentos.
Em 2005, com o fim das pesquisas, os primatas foram encaminhados e distribuídos entre seis ilhas fluviais. A empresa garantiu que cuidaria dos chimpanzés, doentes e impossibilitados de se alimentarem sozinhos; 10 anos depois, cancelou a assistência e deixou 85 primatas abandonados à própria sorte e sem rota de fuga – não são bons nadadores, portanto, sair da ilha não era uma possibilidade.
Depois de 30 mortes estimadas, a ajuda chegou por meio de primatologistas e ativistas, e até de ex-funcionários do laboratório americano que se eximiu de sua responsabilidade, alegando que “já não era sustentável desviar milhões de dólares de sua função de salvar vidas”.
Como todo ingrato, o centro de pesquisas só esqueceu de mencionar que foram as experiências com os chimpanzés que possibilitaram a criação de vacinas e outros tratamentos para salvar essas vidas.
Incansavelmente, desde o início da pandemia do novo coronavírus, foram entrevistas e mais entrevistas de cientistas, pesquisadores e representantes de laboratórios pontuando a fase de testes em animais da vacina que tiraria o mundo da pandemia que nós mesmos criamos, desrespeitando os limites entre a vida humana e a silvestre.
Lembro de ter assistido, numa determinada manhã, à uma reportagem com o diretor geral de negócios de um hospital em Nova York, um dos mais antigos dos EUA e mundialmente reconhecido pela cultura de inovação e descobertas científicas.
Ao ser questionado sobre a vacina contra a COVID, o entrevistado explicou o complexo processo de produção do imunizante, incluindo, em tom de normalidade, a ressalva de que, antes de ser aplicada em seres humanos, teria que ser testada em animais.
O debate é complexo, extenso e mundial. Entretanto, não cala a realidade: inúmeros animais sofrem e ainda vão sofrer para tentar salvar as nossas vidas – organizações estimam que 115 milhões de bichos são usados em testes de laboratório por ano em todo o mundo. E é compreensível achar necessário, mas não é admissível achar normal.
Chegamos a 2021 e temos a vacina contra o coronavírus. Entre os agradecimentos a instituições e profissionais, que sejamos gratos também a todos os animais que, como os chimpanzés do início deste texto, nunca mais vão ter a mesma vida para que a gente possa ter a nossa de volta.
Com informações de reportagem publicada pela BBC, 2016.