Incêndio do Gran Circo Norte Americano, que matou mais de 500 pessoas e é o maior da história do Brasil, completa 60 anos
Imagina-se que seja ela na foto, reagindo de maneira previsível e submissa, como aprendeu que tinha que ser, recebendo um afago de Nena, trapezista e irmã do dono do Gran Circo Norte-Americano.
Um comportamento bem diferente do daquela tarde de 17 de dezembro de 1961, em Niterói, data e local do maior incêndio com vítimas da história do país. 503 foi o número oficial de mortos – quase o triplo do edifício Joelma, em São Paulo. Foi por causa dela, Semba, uma das cinco elefantas do circo, então com 24 anos, que a tragédia não foi ainda maior.
Atingida por um pedaço de lona queimada logo após o início do incêndio, saiu em debandada abrindo espaço para a fuga de adultos e crianças – o circo tinha capacidade para mais de três mil espectadores e uma única saída conhecida do público.
Da família Stevanovich, de norte-americano o Gran Circo não tinha nada. Uma propaganda tão enganosa no nome quanto na segurança: cobertura de nylon! Só que a lona era de algodão parafinado, incomparavelmente mais barata – e mais inflamável.
Em atrações que exploram animais selvagens, quando acontece uma tragédia, quase sempre há um explicação que escancara a responsabilidade das nossas escolhas. Mas, neste caso, é quase impossível interpretar os acontecimentos com a clareza do ativismo usual.
Como a história da garotinha que foi ao espetáculo com uma pulseira de ouro, presente da mãe, com a seguinte frase gravada: se perder, apanha; conseguiu escapar do incêndio, mas, ao perceber que estava sem a joia, voltou e não mais saiu. Ou a da mãe que ouviu a voz de duas crianças imateriais gritando “vai embora” enquanto estava na fila da bilheteria. Ou a do palhaço e sua tristeza paradoxal eternizada em uma foto de jornal, segurando uma das tantas mamadeiras – à época, feitas de vidro – chamuscadas pelo fogo que levou seus pequenos donos em menos de 10 minutos.
Semba, por sua vez, é lembrada com admiração e repúdio, já que, apesar de ter criado uma rota de fuga para muitos, pisoteou outros tantos pelo caminho.
A verdade é que, ao contrário do que discutem todos os registros e livros sobre aquela tarde fatídica, ela não foi heroína nem vilã; foi mais uma vítima, que nunca teve a justiça de ser reconhecida como tal.
Foto de capa: Acervo O Globo