“Se somos os reis da natureza, por que não reconhecer isso e dominar esses animais?”. A frase cruel, ingênua e patética é de um dos treinadores dos animais cativos no dolfinarium de São Petersburgo, na Rússia. À frente do parque está Lev Mukhametov, um dos biólogos marinhos mais renomados do país, mas que preferiu uma atividade mais lucrativa: se tornou um assíduo negociante de belugas e golfinhos capturados em águas russas e exportados para aquários de todo o mundo – hoje, sua maior clientela é a China.
Produzido e dirigido por três mulheres, o documentário Born to be Free, disponível na Netflix, desconstrói qualquer imagem que tenhamos do inferno. Ele não tem fogo, só água e cloro. Aos 11 minutos, o filme retrata a vida dos animais fora do show nesse mesmo aquário em que trabalha o treinador que se acha rei. Os urros de baleias, golfinhos, focas e morsas me fez soluçar – e quase colocar o que tinha jantado para fora. Se existe mesmo um vale das sombras, a acústica certamente é igual.
A quem ainda acredita em qualquer fiapo de retórica sobre o quanto o cativeiro é educacional ou essencial para estudar e preservar as espécies marinhas, Dr. Samuel Hung – PhD e Diretor do Hong Kong Cetacean Research Project – explica (quase desenha): “A partir do momento em que conhecemos o cérebro desses animais, mantê-los nessas condições prejudica qualquer pesquisa. O cativeiro altera o comportamento natural da espécie e a pesquisa é influenciada”.
A todos que ajudam a manter essa indústria cruel e bilionária – incluindo os sequestradores de animais marinhos que riem e comemoram enquanto seus capturados se debatem nas redes; os responsáveis por essas operações e pelos centros deploráveis de treinamento, com seus tanques pequenos, sujos e fétidos; quem negocia e quem encomenda; e aqueles que, durante o documentário, alegam que tudo é só uma questão de capital, porque as pessoas precisam ganhar dinheiro: o que eu desejo para vocês não tem nem nome.
Quanto ao humano que se acha rei, eu confio na natureza. E aguardo ansiosamente pelo dia em que ela mostrar para ele quem é a realeza.
Fotos: Born to be Free, 2016.