Tenho me sentido exausta. E culpada por me sentir exausta. Afinal, em meio a uma pandemia que escancara a desigualdade, ter um teto e comida no armário da cozinha é um privilégio, sim.
Negativa para coronavírus, positiva para inabilidade passadiça de entender o ser humano.
As posições que defendem. Como defendem. O que, realmente, defendem – porque até os objetivos da espécie têm parecido confusos para mim.
Assistindo ao trailer do novo documentário sobre a Dra. Jane Goodall – cientista, primatologista e ativista britânica, mensageira da paz pela ONU e dona de uma sensatez quase em extinção -, refleti profundamente sobre o tipo de ativismo que decidi fazer.
Mais cedo, havia ouvido, lido e presenciado atitudes peculiares e corriqueiras ao ativismo que fazemos por aqui – ações as quais que, quem me conhece, sabe que me incomodam demais.
É o ativismo contemporâneo que realmente acredita que é contemporâneo, quando, na verdade, seu modus operandi de manifesto é mais provinciano que o guaraná com rolha: malhar o Judas.
Tá, é mais moderno. Porque é on-line. E menos seletivo. No fim das contas, não se malha mais o traidor, mas o discordante.
É também mais preguiçoso. Porque, vamos combinar: essa é a única malhação sem esforço que eu conheço. Nem exige dedicação intelectual. Afinal, é muito mais fácil malhar do que colar em Judas e mandar um papo reto. Qual é o teu problema, cara? Por que está agindo assim? Recebeu as 30 moedas de ouro antes do auxílio emergencial? Quanto à essa última, arrisco dizer que sim.
A gente anda em círculos: somos Judas malhando Iscariotes.
Enquanto ouvia Jane, fiz, então, a mim mesma, um questionamento horroroso como brasileira.
E se ela tivesse nascido aqui?, pensei, quase que involuntariamente, mas conscientemente.
Sua voz calma e acolhedora teria espaço no ativismo que não sabe ouvir sem berrar?
Seu protocolo de tratamento – e disposição em trabalhar – com pessoas que divergem drasticamente de suas crenças de bem-estar animal seria compreendido por uma nação que acredita errônea e piamente que empatia é sentir pelos seus iguais?
A ausência de xingamentos teria espaço numa sociedade que aplaude a ofensa?
Uma das funções do ativismo é cobrar. Mas é também ter o discernimento de quem cobrar. E de como cobrar. Julgar um parque marinho por que uma orca engoliu sua própria treinadora é diferente de julgar a treinadora por estar lá. A treinadora sofreu as consequências de sua escolha, bem como arcamos todos os dias com as nossas. O resto não nos cabe.
Todas essas perguntas devem ter vindo à minha mente porque sou péssima de cálculo.
Afinal, na beleza de seus 86 anos, se Jane tivesse nascido aqui, o nosso espelho seria outro: refletiria além do ego, além dos likes, além dos iguais.
Nossa escola seria outra. Nosso aprendizado também.
O lugar de fala seria de quem age de forma singular em nome do plural e não de quem se acha singular num mundo que finge ser plural.
Tempos sombrios – e exaustivos – os nossos.