O óbvio é a verdade mais difícil de se enxergar. A afirmação é da escritora e jornalista Clarice Lispector e reflete perfeitamente a minha expectativa em relação ao documentário A Máfia dos Tigres – minissérie da Netflix, lançada em março deste ano, que, sob o comportamento narcisista, a obsessão pela fama e as incoerências de seus protagonistas, retrata a exploração de felinos selvagens pela indústria do entretenimento americana.
O foco da produção é a rivalidade entre Joe Maldonado-Passage, popularmente conhecido como Joe Exotic e dono de um zoológico particular com mais de 200 grandes felinos, e Carole Baskin, protetora da espécie, que resgata e abriga animais no que a série e a própria assemelham a um santuário.
Pode ser que minha percepção nem seja unanimidade entre os defensores dos direitos dos animais, mas foi o que, ao longo da minha jornada como ativista, aprendi – e o que faz mais sentido para mim: a partir do momento em que você cobra ingresso e expõe os animais ao público como um produto, mesmo que sob prováveis boas intenções, você os coloca na mesma situação da qual os resgatou. E é o que Carole faz.
Ah, mas como manter um santuário sem a receita da visitação? Existem inúmeros meios: doações, parcerias com pessoas jurídicas, souvenirs que podem ser vendidos on-line, entre outros recursos que angariam fundos.
No caso de Baskin, ao que é indicado pelo próprio documentário, parte do sustento da organização provém da herança milionária de seu finado marido e do apoio de instituições maiores.
Lembro como se fosse hoje: dez metros. Foi o mais perto que pude chegar dos animais durante minha visita ao Santuário de Elefantes Brasil, localizado na Chapada dos Guimarães, no Mato Grosso – espaço que só pude conhecer por ser uma das madrinhas da campanha de arrecadação de fundos para trazer à liberdade Maia e Guida, as primeiras residentes.
Fui recebida pelos responsáveis com regras claras e firmes: amenize o tom de voz e não faça nada para chamar a atenção delas; estamos na casa delas, não na nossa.
Não costumo ser leviana e geralmente só escrevo sobre o que tenho oportunidade de conhecer de perto – ou de, no mínimo, apurar diretamente as dúvidas que me sobressaltam. Por isso, não seria correto, nem de bom tom, nem de bom coração julgar o trabalho de Baskin. Mas vale a reflexão.
Afinal, quando um animal segue para um santuário, a vida dele deve ser o mais parecida com a que ele deveria ter tido. E isso não inclui a nossa aproximação, tampouco nossas visitas, carinhos ou selfies.