Pulei algumas cenas.
Não consegui assistir ao documentário inteiro sobre Tyke – elefanta africana capturada da natureza em 1973, em Moçambique, e enviada aos Estados Unidos, onde foi treinada para performar em circos.
Vinte anos de correntes, abusos físicos e psicológicos, e inúmeros maus-tratos depois, Tyke mata seu treinador no picadeiro, foge para o centro da cidade de Honolulu e é assassinada pela polícia.
Não consegui ver a parte em que ela é acometida por 87 tiros – no corpo, na cabeça e até nos olhos.
Também não consegui assistir à parte em que o dono do guindaste resgata seu corpo majestoso, imóvel e ridicularizado numa fantasia, e descreve a lágrima nos olhos dela.
Tampouco fui capaz de ver os vídeos internos da companhia responsável pelos elefantes, que denunciam os espancamentos, as afrontas psicológicas e os animais presos em correntes 22 horas por dia.
E os abusos da indústria não eram direcionados só aos animais. O machismo predominante no segmento é explícito no depoimento da única mulher que fazia parte da equipe, de quem o último treinador de Tyke caçoou quando ela disse que não deveria levar a elefanta pros shows. Ele riu e inspirou um “eu sou macho, eu dou conta” – a propósito, foi ele quem Tyke matou.
Ah, mas como conter uma elefanta que esmagou seu treinador na frente do público e depois fugiu pra rua? Se quem fez ou faz essa pergunta não percebe todas as incongruências de contexto nela, não vale a pena nem tentar responder.
Não assisti a tudo, mas até o final. O suficiente para pensar que uma quarentena não é nada pro ser humano. A gente é uma raça tão capaz de ser mau, que merecia ficar em cativeiro a vida toda.
Tyke: Elephant Outlaw, disponível na @netflixbrasil.
Imagem em destaque: Print/Tyke: Elephant Outlaw