– Chegaram bem na hora da comida!
Por um momento, achei que estavam falando do bolo em formato de coração que nos esperava em cima da mesa de centro da sala iluminada de sol, que emanava o aconchego da casa da nossa avó. Pra minha surpresa, seguimos pra cozinha, de onde estavam saindo os pratos do dia: banana, melancia e pera, distribuídas igual e carinhosamente nas tigelinhas de porcelana branca. Um capricho de fazer inveja a qualquer restaurante chique.
Segui, então, pra conhecer a linda menina da foto, Leucena.
Uma bugio paraplégica, que faz sessões periódicas de acupuntura, fisio e musicoterapia. Apesar de não ter os movimentos dos membros inferiores – inclusive da cauda, tão importante pros bugios quanto as pernas e os braços -, Leucena não lembra, nem de longe, a primata atropelada na rodovia que liga Itatiba a Louveira, e resgatada com dores intensas, escaras severas e desidratação.
As sequelas das nossas escolhas pros animais como Leucena nem sempre são físicas.
Comprado ainda filhote na beira da estrada por um caminhoneiro, o mico-de-cheiro Tiquinho viajou pelo Brasil inteiro dentro de um caminhão. Sempre amarrado pela cintura. E sozinho. No ano de 2000, foi encaminhado pro Zoológico de São Bernardo Campo, em SP, onde, sob a histeria do público que pagava pra vê-lo, se automutilava. Sozinho.
Só foi libertado da exploração oito anos depois. Estresse, comportamentos repetitivos e neuroses – como ficar sentado abraçando as próprias pernas enquanto gritava – já eram parte da rotina de Tiquinho. Longe da vida que nunca deveria ter tido, recebeu tratamentos alternativos com florais e, com o tempo, aprendeu a interagir com outros exemplares da espécie.
Leucena e Tiquinho são só dois dos mais de 200 animais amparados pelo Projeto Mucky – instituição que, desde 1985, abriga várias espécies de primatas brasileiros, oferecendo proteção, atendimento médico veterinário e cuidados ininterruptos, além de ajudar a combater, por meio da disseminação de informação, o comércio de animais silvestres.
Hoje, 33 anos após sua abertura, o Projeto Mucky está diante de mais uma luta: se manter ativo. Quando estava lá, eu só observei e aprendi – e chorei, claro. Não só pela história de cada morador, mas também de cada colaborador que, mesmo diante da falta de dinheiro, faz de tudo pra que não falte nada aos animais. Quando cheguei em casa, preenchi a ficha pra ser madrinha de Leucena. Quem puder apadrinhar um primata ou doar qualquer quantia avulsa, é só acessar: http://www.projetomucky.org.br.
Porque amor pode não pagar boleto. Mas compaixão, sim.