Especialista revela que características naturais deles ficam alteradas, deixando-os infelizes
A grande repercussão causada pela morte da baleia orca Kyara, na última segunda-feira (24), em San Antonio, Texas, fala por si só. O mundo está mudando. Ou melhor, o ser humano está mudando, enquanto navega neste mar turbulento de incerteza, um oceano dos tempos modernos. É bem como dizia o poeta Fernando Pessoa (1888 – 1935): navegar é preciso, viver não é preciso.
E na imprecisão que é a vida, tão justa para alguns tão injusta para outros, revezando-se permanentemente na distribuição desta justiça, em forma de realidade, pode-se dizer que as injustiças vividas pelos animais já não soam com tanta indiferença aos humanos como em tempos atrás. Segundo a opinião de especialistas, Kyara não morreu apenas no cativeiro. Ela morreu de cativeiro.
Kyara, filha de Takara, era a última orca do parque aquático a ser criada em cativeiro, já que a SeaWorld, empresa americana que era “dona” dela, havia encerrado tal método de reprodução há alguns meses. A pressão da opinião pública estava grande, dentro de um novo conceito: entretenimento com baleias tem causado sofrimento a elas e, inclusive, encurtado suas vidas, conforme ressalta Caroline Zerbato, ativista de direitos dos animais e diretora da agência Baleia Comunica.
— A retirada de orcas da natureza nas décadas de 70 interferiu no ecossistema naquele momento. Hoje isso não mais é permitido. No cativeiro elas desenvolvem comportamentos psicóticos. Quando as pessoas vão ao show, elas pensam que o comportamento é genuíno, mas não é. São truques por trocas de comida, após muito sofrimento. Depois que termina o show os animais ficam letárgicos em um canto.
A maior conscientização, segundo Caroline, decorre de dois fatores. Um deles é o maior acesso à informação nesta era de internet e afins, que permite algumas mudanças de paradigmas antes despercebidos. Os adolescentes dos anos 70, afinal, não percebiam, assim como a maioria das pessoas, o quão sacrificante era para os animais fazerem as apresentações.
Pensava-se no cuidado que eles recebiam do tratador, na alegria que eles demonstravam em cena e em outras percepções que apenas encobriam o óbvio. Mas o óbvio, ao longo da história, assim como uma baleia triste, demora anos para emergir.
O outro fator, segundo ela, foi o histórico documentário Blackfish, produzido em 2013. A autora, Gabriela Cowperthwaite, inicialmente, se propôs a fazer um filme típico dos que acreditavam na felicidade dos animais. Mas em pouco tempo, conforme conta Caroline, ela mudou de opinião e reformulou o contexto da obra.
A história tem como protagonista a orca (que tecnicamente não é baleia) Tilikum, macho reprodutor no SeaWorld, cujos genes estão presentes em pelo menos 50% das baleias do parque aquático, segundo Caroline.
Ele matou a treinadora durante uma apresentação, em 2010, e despertou a atenção mundial para o tema. Caroline afirma que não se sabe se foram reações de raiva ou simplesmente algo decorrente das dimensões incríveis do animal que, tentando brincar teria causado a fatalidade. O que se sabe é que a situação foi representativa. No documentário, a autora procurou destacar a beleza da natureza de Tilikum, morto em 2017, contrastando com a crueldade com que ele era tratado, na visão dos ambientalistas.
— O Tilikum era colocado em um conteiner para dormir à noite e, se não entrasse no conteiner, não tinha comida.
Modelo de zoológicos
O SeaWorld já apresentou projetos alternativos para reformular suas atrações. Mas até agora não abriu mão de manter os animais em cativeiro, de acordo com Caroline, apesar da pressão dos ativistas. Já propôs deixar mais parecido com um santuário marinho sem, no entanto, dar claras demonstrações de suas intenções, conforme ela ressalta.
No caso de zoológicos, para a especialista, também é necessário repensar o modelo. A ambientalista defende a transformação destes em santuários, com a preservação e reprodução dos animais, preparando-os para retornar ao ecossistema. Uma espécie de zoológico rotativo, cujos animais são observados por grupos específicos, com visitas monitoradas, sem o conceito de exposição para entretenimento.
— O ideal é que os animais não fossem expostos como objeto e como produto, porque, inclusive, o comportamento deles em zoológico não é aquele original. Na natureza eles não fazem o que fazem nos zoológicos. Não quero julgar, é um tema complexo, a relação humana com o animal é uma catarse, muitos acham que estão protegendo os bichos. No sentido de preservação de espécie esses locais têm importância, mas é preciso fazer uma reestruturação.
Caroline afirma que um novo conceito só vai ser implementado quando houver a certeza de que este modelo de negócio, adotado pelo SeaWorld, por exemplo, está superado.
60% das espécies de primatas do mundo estão ameaçadas de extinção
Público, muitos destes estabelecimentos já perderam. Nos tempos mecanicistas da tecnologia, que dissemina informações, a “humanização” dos animais está fazendo as pessoas se colocarem mais no lugar dos bichos, adquirindo empatia em relação a eles – mesmo os de mares mais longínquos.
Questionam mais o seu sofrimento, as separações pelas quais são obrigados a passar, as alterações de rotina, as reproduções em ritmo diferente das naturais, o aprisionamento. Tal debate também é uma maneira de se humanizar. Até houve real preocupação com o que Takara sentiu após a perda da filha. Ela foi monitorada por um tempo no parque, porque sentiu. Empatia é sentimento que vale para tudo. E para todos. Se bicho não é gente, o ser humano também é um animal. E mãe é mãe, inclusive entre as baleias.
Publicação original no Portal R7: