A fachada ainda é a mesma, mas emana uma energia diferente.
Talvez seja um jeito de transmitir a mensagem de que mudar é, sim, possível. Muito possível, diga-se de passagem.
Fundado em 1874 pelo então presidente Domingo Faustino Sarmiento, o Zoológico de Buenos Aires, localizado no bairro de Palermo, fechou suas jaulas em junho de 2016, há exatos três anos.
A decisão implicou em um censo com os mais de 1.500 animais abrigados, sendo que alguns ainda estão por lá, mas não mais expostos ao público.
O lugar está quase todo em reforma. A ideia é transformar tudo: desde a casinha que vendia ingressos, que já virou um charmoso café, aos antigos recintos dos animais, que serão transformados em centros educacionais – exatamente como devem ser centros educacionais: sem animais.
Mesmo indo até a administração, não consegui muito mais informações do que as que estavam expostas. Sem muitas explicações decoradas ou campanhas pesadas de marketing. O que me transmitiu a sensação de uma mudança genuína e permanente: é como se eles mesmos estivessem entendendo ainda como fazer essa transição, mas de forma planejada, cautelosa e organizada.
A consciência da população na região onde o ex-zoológico está localizado também ajuda na transformação.
Há uma placa de não pise na grama…
E as pessoas não pisam.
Há uma placa de não alimente os animais…
E as pessoas não alimentam.
Há animais incrivelmente fofos e livres, como as maras, uma espécie de prima distante das capivaras proveniente da Patagônia…
E as pessoas mantêm distância e as admiram de longe, como deve ser.
Faisões e inúmeros tipos de aves atravessam as ruas do parque e as pessoas esperam que eles terminem o trajeto. Ou desviam. Ou simplesmente param e apreciam.
Não vi um adulto ou uma criança sequer jogando amendoim para os macacos ou correndo atrás das aves.
Lá, a convivência entre humanos e animais é como deveria ser: uma relação de respeito mútuo.
O problema é que, se de um lado da cidade é assim, nas áreas mais turísticas é completamente diferente: o cativeiro animal é um dos pilares da economia portenha.
Perdi a conta de quantas pessoas me ofereceram um passeio ao Zoológico de Lújan – aquele em que as pessoas tiram fotos com animais letárgicos e para o qual há promotores em cada esquina de Buenos Aires.
Só no primeiro dia, discuti com dois. Um deles era brasileiro. Trabalhava vendendo passeios como esse aos turistas.
Quando eu disse que os animais não eram bem tratados no local, ele me deu inúmeros argumentos mal estruturados – inclusive, o de que já tinha trabalhado lá – para sustentar a ideia de que eram bem tratados, sim.
Então, devolvi o esforço:
– Se eles são tão bem tratados, vou colocar você para viver lá. Você vai?
Ele calou na mesma hora. Achei que viria para cima de mim, mas estava muito sem graça para isso.
Apesar de eu ter ficado bem zangada com o moço, sua insistência indica um movimento de mercado que, nós, ativistas não devemos e não podemos ignorar: para eles, o Zoológico de Lújan é mais do que um passeio turístico; é um dos pilares que sustenta a economia local. Ou seja, se queremos que Lújan mude, nosso discurso com Lújan tem que mudar também.
Em contrapartida, o Zoológico de Buenos Aires é um arauto de esperança.
Enquanto estava lá, não parei de pensar no que disse, há dois anos, durante uma audiência pública sobre o papel dos cativeiros no século XXI, o diretor de um dos maiores zoológicos do Brasil:
– Vocês sabem que não dá pra mudar.
Como eu queria encontrar esse senhor diretor novamente, só para olhar bem nos olhos dele e dizer:
– Dá, sim.